ALMOÇO COM MEDO DA CHUVA DE BALAS: DISPUTA ENTRE CV E BDM, REDUZ MOVIMENTO DO RESTAURANTE POPULAR DE SÃO CRISTÓVÃO
As filas do Restaurante Popular de São Cristóvão, que foi inaugurado em julho deste ano em Salvador, não apresentam um volume parecido com o que é registrado nas outras seis unidades espalhadas pela capital. Por lá, assim como acontece com a educação, a saúde e o transporte no município, o braço armado das facções impõe uma barreira para o serviço. Isso porque o restaurante fica entre as localidades de Vila Verde, que tem atuação do Comando Vermelho (CV), e Colinas de Mussurunga, onde há uma presença histórica do Bonde do Maluco (BDM) no tráfico de drogas.
A disposição das facções na área coloca o restaurante no meio do conflito armado, gerando tiroteios e tensão nas imediações do local, o que faz com que as pessoas evitem passar por lá mesmo com refeições gratuitas. O problema foi apontado pelo prefeito Bruno Reis (União Brasil), quando o gestor lamentou o impacto do crime no serviço da Secretaria Municipal de Promoção Social, Combate à Pobreza, Esportes e Lazer (Sempre) em coletiva de imprensa na semana passada.
“Vocês sabiam que o tráfico impede as pessoas de se alimentarem no Restaurante Popular de São Cristóvão? Que as pessoas não podem sair para se alimentar onde está o restaurante? Vocês acreditam nisso? Eu soube disso pelo meu secretário de Promoção Social. Nós oferecemos 300 refeições diárias e não está tendo gente para comer, porque as pessoas não conseguem sair de uma área para outra porque o tráfico não permite”, apontou Reis.
No local, funcionários preferem não comentar o assunto, mas quem acessa o serviço confirma o perigo. Um homem, que prefere não se identificar por medo, conta que, há duas semanas, um tiroteio foi registrado enquanto as pessoas formavam a fila para esperar a refeição que é servida, de segunda a sexta, no fim da manhã. Na hora, enquanto alguns invadiram o restaurante para se proteger, outros ficaram expostos.
“Já teve dois tiroteios, sendo que o último aconteceu há 15 dias. […] Aqui você corre risco, precisa fugir de uma bala de graça [perdida] aqui. Eu mesmo, no dia que o bicho pegou, tive que me deitar. A ‘bala comeu’, parou e depois começou de novo. Quando o povo abriu [a porta do restaurante], eu entrei aí e levou um tempão até a coisa se acalmar”, relata ele.
Procurado, o Instituto Fogo Cruzado, que monitora a violência armada em Salvador e Região Metropolitana (RMS), confirmou registros na área. De acordo com a instituição, na localidade de Vila Verde, em 2024, já foram registrados sete tiroteios, cinco mortes e dois feridos. Em Colinas de Mussurunga, foram registrados dois tiroteios, duas mortes e nenhum ferido. Os moradores confirmam que, por conta do conflito das facções, diariamente há temor que novos confrontos aconteçam.
Um morador, que não revela o nome, afirma que, em alguns dias o restaurante não bate a meta de 400 fichas disponíveis para almoço. Segundo ele, pessoas que frequentavam o local deixaram de aparecer por medo de acabarem sendo vítimas dos tiroteios registrados na região.
“Como é que vem comer? Muitos colegas meus desistiram por isso. Não querem mais porque dizem que não vale a pena se arriscar. É por isso que, às vezes, não bate as 400 fichas. Uma mulher que, desde o começo vinha para cá, não apareceu mais desde o tiroteio. O marido dela proibiu ela de vir por medo de rolar tiro de novo”, conta.